segunda-feira, 8 de março de 2010
"A portuguesa" de faca e garfo
Este artigo retirado do Jornal Nordeste foi-me gentilmente cedido por Hugo Martins da Fábrica MAM sediada Em Palaçoulo fabricante da navalha portuguesa mais vendida no Mundo.
Filmam já produziu mais de 6 milhões de unidades de canivete com cabo em forma de pipo
Faca e garfo com a marca de Palaçoulo
Em 30 anos em produção, a fábrica de navalhas Filmam já comercializou cerca de 6 milhões daquele que é um modelo “exclusivo” desta fábrica de cutelarias sedeada em Palaçoulo, concelho de Miranda do Douro.
Trata-se de um instrumento de corte em forma de pipo, composto por lâmina e garfo, que está considerado um verdadeiro embaixador da indústria transmontana.
Tudo começou há 3 décadas, quando o patriarca da família Martins lançou a ideia de fabricar um modelo assente num cabo oval, mas de aspecto mais tosco.
Segundo Domingos Martins, sócio gerente da Fábrica Filmam, este formato acarretava custos de produção mais altos, quase o triplo de uma tradicional peliqueira, o que levou a empresa a procurar soluções mais acessíveis.
“Com a invenção do cabo redondo da navalha, que nunca antes fora utilizado em Portugal por uma fábrica de cutelarias, conseguimos fabricar o canivete muito mais barato”, explica o responsável.
E para que não houvesse dúvidas quanto à originalidade do suporte da navalha em forma de pipo, a Filmam registou o modelo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
Modelo está registado
no Instituto Nacional
de Propriedade Industrial
Esta revolução no conceito de fabricar canivetes levou à sua produção em massa, através de máquinas exclusivas para este modelo, também elas inventadas pelos donos da fábrica de navalhas Filmam.
Além de associar a faca e o garfo num só cabo, a forma de pipo permite transportar o canivete sem danificar os bolsos.
“Desde logo, este modelo está associado aos pescadores, aos homens da lavoura e aos pastores, pois é muito útil no seu dia a dia, tanto para cortar como para servir de talher para comer merendas”, garante Domingos Martins.
Mesmo com o registo no INPI, o certo é que o modelo da Filmam já foi alvo de imitações, tanto da parte de empresas portuguesas, como de fábricas chineses, embora sem a qualidade das navalhas “made in” Palaçoulo. “O que nos valeu foi o registo do modelo, que foi feito atempadamente. Temos três registos patenteados, que começam no cabo e terminam no garfo”, revela o empresário
6 milhões de unidades depois, a Filmam garante que o modelo vai continuar a ser produzido em força, pois tanto é vendido para usos próprio, como para servir de “souvenir” de Portugal
Esta navalha encontra-se à venda um pouco por todo o país sendo mesmo um”souvenir” de Portugal e, até mesmo, como recordação de em festas de casamentos.
Por: Francisco Pinto
Secção do Jornal Nordeste de 2010/03/02
sexta-feira, 5 de março de 2010
Porque gosto de canivetes..
Porque gosto de Canivetes.
Nunca fui um homem violento, nunca participei em grandes altercações e em todas as situações em que estive envolvido sempre privilegiei o diálogo.
Mesmo nas poucas situações em que foram necessárias posições de força fi-lo sobretudo para apaziguar os ânimos, em função do meu sentido de justiça, muito mais na defesa do outrem do que por causa própria.
Em nenhuma dessas ocasiões saquei de uma lâmina, mesmo em alturas em que tinha duas ou três no bolso, mesmo em ocasiões em que tive lâminas apontadas a mim.
Faço questão de precisar isto antes de qualquer coisa, acima de tudo porque não sou nem nunca fui um “Rambo”, acima de tudo porque de todo não sou nem nunca serei violento.
Precisava de frisar isto para não enganar aqueles que esperavam encontrar neste texto fundamentos para fazer a apologia do uso dos canivetes como arma de ataque, quem estivesse à espera que o fizesse pode parar aqui a sua leitura, não é com certeza a eles que este texto se dirige.
Quem continuar a ler-me, perceberá aqui a necessidade desta precisão, perceberá que é sobretudo o imperativo categórico da não utilização de canivetes como arma de ataque que distingue os homens e mulheres de canivete dos outros, sejam eles belicistas (os que não resistem a dar uma naifada e que só conseguem ver os canivetes como instrumentos para tal) ou pânico/pacifistas (aqueles que assim que vêem uma navalha em cima de uma mesa se alarmam logo e que se põem com conjecturas sobre o que somos, só porque temos uma navalha).
É verdade que cada vez mais os canivetes tem sido associados ao crime, mas se isso acontece é tanto pelos belicistas que o usam, como pelos pânico/pacifistas que com ideias de protecção das crianças, nos canivetes como em tantas outras coisas, os privaram de aprender a usa-los e a viver a vida de uma forma natural, conscientes dos riscos e dos limites.
Quem for realmente um homem ou mulher de canivete, partilhara comigo a minha oposição aos belicistas, pela sua natureza violenta e a minha recusa em ver as peças de cutelaria sobretudo como armas de ataque, partilhara também a minha dificuldade em entender aqueles que são pânico/pacifistas sobretudo porque ainda não consigo perceber a razão das criticas que fazem, e já tenho ouvido tantas, pois quando confrontados com situações em que precisam de uma lamina não tem o mínimo pudor em engolir o que nos disseram e não resistem a pedir-nos a nossa.
Ser homem/mulher de canivete é saber respeitar a lamina, mas acima de tudo o outrem, é sobretudo encarar o canivete como um instrumento utilitário e versátil, nas várias actividades do dia a dia, sendo bastante útil para realizar tarefas mais simples como o descascar de uma maça, ou mais complexas, como soltar-nos de um cinto de segurança bloqueado depois de um acidente ou defender-nos de uma ataque de um animal feroz.
Ser homem/mulher de canivete é partilhar de um legado quase intemporal, beber a essência dos nossos antepassados desde as origens mais remotas, dar valor a toda essa ancestralidade e tradição que marcou a evolução dos instrumentos de cutelaria desde a pré-história das pedras de sílex até aos multi-ferramentas e à graciosidade das falkniven.
Ser mulher e homem de canivete é ter sido criança de canivete, é ter recebido um canivete dos nossos pais ou avós e ter com eles, com a experiencia deles aprendido a brincar com as laminas, ter aprendido a fazer papagaios de papel com elas, ter andado pelos campos e matos com canivetes no bolso a desbravar novos mundos na nossa meninice.
Todos os verdadeiros homens e mulheres de canivete, tenham eles um canivete ou mil começaram assim, com uma prenda dos pais ou avós, um primeiro canivete dado como se de um legado precioso se tratasse, como se mais do que uma dadiva simples fosse um rito de passagem, e em algumas culturas, como em algumas aldeias de Portugal era-o assim de facto.
Foi assim comigo, será assim com os meus filhos, farei assim com os meus netos.
Se bem que no meu caso a dádiva nunca foi bem assumida, pois para não criar grandes confusões, com algumas pessoas que não nos entendiam, o meu avô materno mantinha os canivetes sob alçada dele, mas cada um dos netos tinha o seu preferido e usava-o sempre.
Nunca esquecerei a primeira vez que usei o canivete de que mais gosto, o velhinho OKAPI do meu avô, foi numa vindima quando tinha seis anos, e hoje, quase trinta anos depois ainda o tenho comigo e continua com uma esplêndida capacidade de corte.
Nunca esquecerei também umas férias aos 18 anos num campo de trabalho na serra da Arrábida, a fazer vigilância florestal, em que um velhinho Palaçoulo garfo e faca, adquirido uns anos antes em Guimarães foi fiel companheiro de trabalho até à exaustão, sempre que era preciso, tendo-se superiorizado em algumas tarefas como o corte de galhos e silvas às facas de mato e ao canivete suíço de um amigo meu, tão em voga na altura devido ao MacGyver.
Com a morte do meu avô materno fiquei a pedido da minha avó com os seis canivetes dele, três icel, um Ivo, o okapi e curiosidade das curiosidades um canivetezinho de duas láminas prateado, com uma corrente para prender ao cinto que tinha sido a primeira prenda de natal que eu lhe tinha dado na vida e que comprei numa feira da minha aldeia.
A esses canivetes juntei o palaçoulo de que falei acima e um canivete estilo suíço que aos 19 anos me foi oferecido pelo meu irmão Raul e dei assim inicio àquela que é de todas as colecções que tenho a que mais estimo e que vai já em mais de 200 peças, tendo ao longo destes anos comprado muitos, recebido muitos, graças ao meu irmão Raul, à minha irmã Rita, à minha adorada pequena Ana e à minha madrinha adoptiva Júlia, mas também tido o cuidado de pedir aos familiares mais próximos que me dessem um dos seus canivetes ou facas como recordação deles, para que mais tarde possam vir a ser dados aos meus filhos e netos,
Foi assim com a minha mãe que me deu o canivete que ela usava na bolsa dos lápis, com o meu pai que me deu a faca de mato que ele tinha e que eu cobiçava desde criança.
Foi assim com o meu avó paterno que me deu dois ou três canivetes, entre os quais o primeiro canivete estilo suíço Português que vi e trocou comigo o velhinho palaçoulo que a minha avô ainda usava, e com um tio avó paterno, pessoa a quem muito estimo e que é senhor de vários canivetes que ainda não me atrevi a ver, mas que quando lhe pedi uma recordação dele me deu, sem reticencias e sem que lho tenha pedido especificamente um canivete gravado à época comemorativo das Vitorias do Benfica em 1966.
Foi assim com o meu grande amigo Vitorino, que me deu entre outras magnificas peças uma maravilhosa adaga da primeira guerra e uma velhinha e bela faca ponta e mola.
Posso considerar-me um privilegiado pois ao longo destes anos tenho conseguido algumas relíquias, porque tenho aprendido a ser homem de canivetes com pessoas como o com o Sr. Paixão, que entretanto já faleceu e que tinha uma colecção magnifica, ou com o Carlos Norte, verdadeiro timoneiro destas lides, não só pela maravilha das peças que vende mas pelo amor que tem à cutelaria e pela paciência que tem comigo, mas acima de tudo porque tenho pessoas de quem gosto, pais, avós, tios-avós, irmãos e amigos, que aceitam este viciozinho, alguns a custo e que mo ajudam a alimentar, sendo que alguns deles, com umas ofertazinhas minhas (não há nada que a beleza das peças do Carlos não faça) se vão aos poucos convertendo em homens e mulheres de canivete.
Acima de tudo porque um dia poderei dar aos meus filhos, netos ou sobrinhos, a minha colecção e assim parte de mim, gesto sem o qual continuar a faze-la não teria sentido, não escondendo no entanto que adoro esta sina constante de procurar o canivete ideal que me faz ir trocando de peça de vez em quando, mas isso dava outra história.
Pedro Antunes..
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